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48 artistas, um mural e a utopia por cumprir

Obra coletiva assinala liberdade conquistada em 1974, no âmbito das comemorações oficiais do 25 de Abril.

Quatro gerações de artistas, de histórias e contextos diferentes, juntaram-se para uma obra coletiva, 48 anos depois de outros tantos terem pintado, num mesmo 10 de Junho quente, o Painel do Mercado do Povo, em homenagem à Revolução.

“É super interessante perceber que ainda há muitas lutas que são comuns e há muita utopia por cumprir desde o 25 de Abril”, assinala Vhils (Alexandre Farto), que participou na intervenção.

Fotografia: Cláudia Teixeira | Comissão Comemorativa 50 Anos 25 de Abril

“Celebrar o facto de podermos fazer o que quisermos e de sermos livres” foi o mote que o guiou para fazer a curadoria do novo mural, juntando quatro gerações de artistas, com que o Museu de Arte, Arquitetura e Tecnologia (maat) quis celebrar o meio século do 25 de Abril.

“Estar aqui é também um ato de luta, luta pelo melhor, pelos valores em que acreditamos e que temos esperança de que continuem vivos”, realça Emília Nadal, que participou no Painel do Mercado do Povo.

Como em 1974, 48 artistas aderiram ao desafio, nove dos quais repetentes: David Evans, Emília Nadal, Eurico Gonçalves, Guilherme Parente, José Aurélio, Lima Carvalho, Sérgio Pombo, Teresa Dias Coelho e Teresa Magalhães.

“O pintar juntos é qualquer coisa de extraordinário, há uma empatia muito grande”, descreve Emília Nadal, que decidiu “dar continuidade à imagem do primeiro painel”, o soldado, para assinalar “outras guerras coloniais” em curso.

Com 84 anos, diz que “a emoção é a mesma” do que em 1974 e que é “muito estimulante” poder observar outras linguagens artísticas.

“Sinto-me vivo, é uma honra enorme ter sido convidado para participar novamente, com artistas muito mais novos (quase todos), que não conhecia”, confessa David Evans.

Guilherme Parente, com 81 anos, regista a “alegria” e o “entusiasmo” do 10 de Junho de 1974, de que José Aurélio guarda uma fraternidade para não mais esquecer. “Sabíamos da existência uns dos outros, mas a maior parte de nós nunca tínhamos estado juntos”, recorda.

Recordando o Movimento Democrático dos Artistas Plásticos, que promoveu o mural de 1974, David Evans destaca o papel dos artistas que “ajudaram a criar condições para que a liberdade vencesse no 25 de Abril”.

Lima Carvalho guarda uma memória vívida daquele 10 de Junho de 1974 – “o dia estava quente como este” –, em que foi a pé do Chiado até Belém, comprou um quilo de cerejas, que comeu pelo caminho, “cuspindo os caroços, como nas fábulas”. O pavilhão estava cheio de gente e “a festa” terminou com um jantar-convívio. “Fizemos o que quisemos nessa altura”, lembra.

Entretanto, “mudou muita coisa” na arte. “Os ateliês de pintura fecharam (…), tudo passou a ser na rua, as manifestações, as contramanifestações, a arte, os murais”, assinala o fundador do ACRE, “movimento de intervenção citadina, ao ar livre, sem compromissos nem autorizações de ninguém”.

Manuel João Vieira concorda que “mudou muita coisa” e que a iniciativa do novo mural coletivo é importante para se “compreender as diferenças entre 1974 e 2022”.

Nem tudo mudou para melhor e, hoje, a precariedade une velhos e novos e faz da arte uma luta pela sobrevivência.

“A arte, do ponto de vista da liberdade criativa, evidentemente que é livre, mas um artista, hoje em dia, continua desempregado como estava há 48 anos. É um desempregado permanente”, aponta David Evans.

“Há muita precariedade no mercado artístico em Portugal e isso impede-nos de exercer a nossa liberdade”, corrobora Filipa Bossuet, da nova geração.

“Todos nós, enquanto artistas, ambicionamos que ela [a arte] seja livre, mas ela tem mais condicionantes agora, curiosamente”, constata Ana Pérez-Quiroga, falando da pressão do mercado.

Pedro Amaral, do coletivo artístico Borderlovers, tinha 14 anos no 25 de Abril e lembra-se de acompanhar “com muito interesse” a pintura do Painel do Mercado do Povo, através da emissão da RTP.

Distribuídos por dois andares de andaimes, 48 artistas pintaram o painel “48 artistas, 48 anos de liberdade”, com 24 metros de comprimento e 3 metros de altura, que ficará no espaço exterior do maat até 2024, quando a revolução assinalará meio século, e será depois intervencionada pela artista Marta Carvalho e doada a um museu público.

Rappepa estava em Angola no 25 de Abril mas ouviu falar do Painel do Mercado do Povo mal chegou a Portugal, em janeiro de 1975, e começou a conviver com gente ligada às Belas Artes.

Ambos salientam o privilégio de poderem participar nesta ação coletiva, que Manuel João Vieira gostava de ver mais cimentada numa associação dos artistas portugueses.

“A nossa arte sempre foi atrás dos modelos estrangeiros, tem muito pouca consciência da sua própria individualidade”, nota.

“Neste momento, o que se passa é que os artistas são escolhidos por um poder paralelo, que faz ligação entre o Estado, o negócio e o público, há uma série de intermediários entre os artistas e o público”, lamenta, apelando à junção de forças.

Blac Dwelle destaca o poder da união e sublinha a importância do novo mural, com “lugar para todos os artistas”.

“Celebrar a liberdade desta forma é muito bonito”, diz Francisco Vidal, enquanto Carlos Stock saúda a possibilidade de “falar com pessoas” de quem tem “um distanciamento muito grande” e com quem pôde conversar e aprender.

Diogo Carvalho aproveita o “privilégio” de participar na intervenção para recordar que o Dia de Portugal é dia de “não esquecer o Alcindo [Monteiro, assassinado no Bairro Alto por supremacistas brancos] e muitos que não tiveram o mesmo destaque, mas tiveram o mesmo destino e muitos outros que são oprimidos todos os dias, esses guerreiros e guerreiras, nessa batalha que é invisível”.

José Aurélio resume numa frase o sentimento de insatisfação comum às várias gerações de artistas: “Podíamos ter construído um país tão bonito, pá!”

A que Ana Pérez-Quiroga junta um tom mais otimista: “48 anos depois, continua a ser uma Revolução e todos nós estamos aqui para celebrar isso.”


Os novos 48 artistas:

±MaisMenos±, Alice Geirinhas, Ana Aragão, Ana Pérez-Quiroga, Ana Vidigal , Ângela Ferreira, António Alves, Blac Dwelle, Border Lovers (Pedro Amaral), Carlos No, Carlos Stock, David Evans, Diogo Carvalho, Emília Nadal, Eurico Gonçalves, Fernanda Fragateiro, Fidel Évora, Filipa Bossuet, Francisco Vidal, Gabriel Abrantes, Guilherme Parente, Joana Vasconcelos, José Aurélio, Lima Carvalho, Manicómio, Manuel Botelho, Manuel João Vieira, Maria Imaginário, Mariana Duarte Santos, Mariana Gomes, Moami31, Noah Zagalo, Obey SKTR, Onun Trigueiros, Pedro Cabrita Reis, Pedro Portugal, Petra Preta, Rappepa, Sara & André, Sepher Awk, Sérgio Pombo, Susana Gaudêncio, Tamara Alves, Teresa Dias Coelho, Teresa Magalhães, Vhils, Xana.


 

#50anos25abril